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Denúncia de uso irregular de proxalutamida no Hospital da Brigada é tema de audiência pública

Provocou reações acaloradas das quase 300 pessoas que o acompanharam ao vivo, por videoconferência
03/10/2021 Agência de Notícias ALRS - Foto: Divisão de fotografia

A Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa promoveu uma audiência pública na tarde da segunda-feira, dia 27 de setembro de 2021, sobre denúncia de uso irregular e experimental da substância proxalutamida em pacientes com Covid-19 no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre.

O debate, proposto pelo deputado Pepe Vargas (PT), provocou reações acaloradas das quase 300 pessoas que o acompanharam ao vivo, por videoconferência, a maioria em apoio aos médicos envolvidos, que não compareceram.

Na abertura dos trabalhos, Pepe Vargas disse que não fazia juízo de valor do tema, mas que era dever do Legislativo cumprir seu papel de fiscalizador dos órgãos da administração pública direta e indireta e buscar o esclarecimento de um tema de interesse público. A seguir, leu as justificativas para a ausência encaminhadas pelo Comando-Geral da Brigada Militar e pelo endocrinologista Flavio Cadegiani, que junto com o infectologista Ricardo Ariel Zimerman, conduziu o estudo no Hospital da Brigada.

Conforme o Comando-Geral da Brigada Militar, “as informações preliminares do Departamento de Saúde quanto à pesquisa conduzida com proxalutamida, no início do ano”, davam conta de que “o estudo obedeceu às exigências dos órgãos competentes e às normas legais aplicáveis aos procedimentos em questão”. Ainda assim, prossegue o documento, “em nome da transparência, da qualidade e da lisura sempre mantidas e exigidas em todos os procedimentos realizados no Hospital da Brigada Militar, o Comando-Geral determinou a instauração de procedimento para ampla e rigorosa apuração sobre a realização do estudo”.

Flávio Cadegiani, por sua vez, comunicou, por meio de ofício, que “em razão de compromissos assumidos anteriormente, nesta data e horário, fora do Brasil”, não poderia comparecer. Disse que era um pesquisador independente, sem vínculo com indústria farmacêutica, nem beneficiário de qualquer verba governamental, e atribuiu as denúncias à politização do tema e ao fato de a pesquisa ter agradado a alguns políticos.

Segundo ele, cabia esclarecer que se tratava de “pesquisa cientifica e não regulatória”, o que implicaria, segundo ele, uma série de diferenças daquilo que havia sido divulgado pela mídia. Disse que a pesquisa científica necessitava de autorização somente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), e não da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), à qual caberia apenas autorização para importação do medicamento.

Ainda segundo ele, o protocolo adotado havia sido aprovado pela Conep em 27 de janeiro de 2021, tendo sido emitido parecer de aprovação de nº 4513.425. Além disso, os participantes da pesquisa, conforme afirmou, teriam assinado termo de consentimento livre e esclarecido, devidamente aprovado pela Conep.

Representando o Ministério Público Federal, a procuradora da República Suzete Bragagnolo disse terem, inicialmente, oficiado a Anvisa e a Conep a prestarem esclarecimentos sobre os fatos, assim como o Hospital de Brigada Militar e os médicos responsáveis pelo estudo. Pelo que se verificou, segundo ela, a autorização da Conep havia sido, de fato, solicitada, mas não para o Rio Grande do Sul, e para um número de pacientes bastante inferior ao verificado, o que teria levado à representação da Conep na Procuradoria-Geral da República.

Questionamentos

A médica intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Ana Carolina Peçanha Antonio, doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS e co-autora do artigo "Integridade em pesquisa clínica: o caso da proxalutamida", lamentou a ausência dos condutores do estudo, porque teria sido “ uma excelente oportunidade para esclarecer alguns pontos”. O primeiro era o fato de não ter identificado “qualquer autorização para pesquisa em Porto Alegre”, somente em Brasília. “Se, de fato, o Dr. Cadegiani acreditava que a aprovação concedida pela Conep se estendia a todo o país, por que, então, os dados referentes ao estudo conduzido no Hospital da Brigada Militar não estão publicados até o momento?”, perguntou. Segundo a pesquisadora, o que havia era um manuscrito do estudo conduzido no estado do Amazonas, um projeto de pesquisa referente a esse estudo, que era “o que o Dr. Cadegiani alega ter sido aprovado em âmbito nacional, o que sabemos não ser verdade, mas, enfim, frente a essa crença de que a provação seria nacional, onde estão os dados referentes aos pacientes que foram recrutados no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre?”.

Outro ponto que causava preocupação, segundo ela, “levantado pelo jornalista Pedro Nakamura (em matéria do jornal online Matinal)”, era que a paciente que concedeu a entrevista, e que teve sua identidade preservada, não teria sido acompanhada até o fim. “Não sei a idade, mas gostaria de saber se é uma mulher em idade reprodutiva, se foi descartada gravidez, porque, afinal, ela foi exposta a uma medicação anti-androgênica”, ponderou. “Gostaria de saber que procedimento se tomou para descartar gravidez e por que não foi acompanhada após a alta hospitalar”, disse.

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), Jorge Venâncio, explicou as razões pelas quais o órgão havia aprovado por unanimidade a representação no Ministério Público Federal, após ter se dado amplo direito de defesa ao Dr. Cadegiani, que teria se recusado a fornecer as informações solicitadas. “Primeiro, é uma coisa inédita na nossa experiência (na Conep) uma pesquisa em que morrem 200 participantes”, disse. Além disso, “o pesquisador parece não ter segurança do que ocorreu na pesquisa, porque deu várias versões”.

Para Venâncio, na hipótese de que “a afirmação (do pesquisador) fosse verdadeira e que 90% dos óbitos tivessem se dado no grupo placebo”, o correto seria suspender o estudo e realizar o chamado cross-over, dado o número elevado de mortes. A outra hipótese, segundo ele, era de erro de metodologia, o que parecia possível, uma vez que o médico se negava a fornecer as informações solicitadas. “Tanto numa hipótese como na outra existem erros graves que precisam ser apurados pelas instâncias responsáveis”, disse. “Nunca vimos nada parecido no tempo em que estamos lá (na Conep)”, frisou.
 
A diretora-adjunta da 5ª Diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniela Marreco Cerqueira, ratificou que no caso de pesquisa científica o órgão apenas autorizava a importação do produto e explicou que, no caso em questão, verificaram, após acareação, que o quantitativo importado havia sido muito superior ao número de pacientes aprovados pela Conep, o que os levou a decidir pela suspensão, de forma cautelar, da importação da proxalutamida para pesquisas científicas.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Carlos Isaia Filho, o órgão abriu uma sindicância após a denúncia do Ministério Público e dos fatos noticiados a respeito da pesquisa.

Marcela Donini, editora-chefe do jornal Matinal, veículo que publicou a primeira reportagem com denúncias contra o estudo, assegurou terem sido omitidas dos pacientes informações essenciais, diferentemente do que havia sido dito por Flávio Cadegiani. Também teria sido omitida, segundo ela, a informação de que o médico possuía ligação com a indústria farmacêutica por ter realizado pesquisas pela Applied Biology. Disse que as irregularidades foram conhecidas do público pelo trabalho incansável do jornalista Pedro Nakamura e que, antes mesmo da publicação do material, receberam inúmeras ameaças.

Apoio aos pesquisadores

Em suas manifestações, os deputados Dr. Thiago Duarte (DEM), Eric Lins (DEM) e Tenente-Coronel Zucco (PSL) ressaltaram a excelência do Hospital Militar da Brigada Militar, parabenizando a instituição pelos 124 anos completados na última sexta-feira, e manifestaram apoio aos médicos condutores do estudo com a proxalutamida. “Não se pode abalar a honra dessas pessoas com falácias”, disse Dr. Thiago.

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